Serviço Educativo
SERVIÇO EDUCATIVO: CONCEITOS E ESTRATÉGIA
O serviço educativo do TG obedece à premissa de utilizar o teatro como meio e/ ou instrumento de socialização ao serviço das comunidades. O sentido lato desta premissa implica o refinamento da mesma de acordo com as transformações sociais e culturais das comunidades. A aceleração histórica torna premente essa adequação por força de alterações radicais, de políticas e de costumes, que , grosso modo, estabelecem comunidades fragilizadas, órfãs, desenraízadas de costumes e práticas agregadoras.
As comunidades tendem a desagregar-se em tribos, núcleos oportunistas ( afeitos a uma causa circunstancial de natureza ecológica, identitária, política ou que resulta da adição mediática/ redes sociais) ou, tão só, deixam de existir, dando lugar a pessoas , de tipologia marcadamente individualista, hedonista e fechada sobre si.
Esta tendência não esgota contudo a apetência gregária natural do ser humano, a disposição para existir e estar com os outros, como um todo que é soma de cada parte.
O extremismo, entendido como desafio inédito e radical ao concerto democrático e à sua expressão institucional, muitas vezes apresentado como uma revolta dos “desvalidos contra as elites” enferma, todavia, de várias fragilidades que não resistem a uma análise mais fina.
A evolução/preponderância tecnológica e os problemas económicos, não se sobrepõem ao argumento cultural, i.e, à consciência de fragilidade, à falta de chão comum, por parte das pessoas , que o demandam de forma , por vezes, abrupta e retrógrada, crédula, quando não violenta. Esta carência de enraizamento , nos territórios movediços da actualidade, e sem esquecer que a palavra cultura significa raíz, coexiste, ou reflui, da massificação no acesso à informação e da progressiva interação/ dependência de dispositivos tecnológicos. Esta questão, por sua vez, faz supor que entre humano e andróide, se esbate uma progressiva simbiose, de que o advento da Inteligência Artificial, constitui epítome de uma co-inteligência dominante por parte da IA e de quem a controla. Significa isto a perda do humano? O triunfo de alguns sobre os outros? O triunfo do maquínico?A evolução natural da espécie? É porventura demasiado cedo, ou tarde demais, no sentido da impossibilidade de regular a aceleração vertiginosa e imparável que a IA configura, para responder cabalmente a esta questão.
Todavia o mundo não pára e as mudanças sucedem-se. A cada resposta , multiplicam-se miríades de perguntas. Essa omnisciência da natureza, a sua infinita capacidade para nos surpreender, para o melhor e para o pior, faz-nos ponderar que, apesar de tudo, ou por isso mesmo, o lugar do teatro permanece fundamental. Importa, porém, reter que o modo como serve as comunidades implica alterações, que reiterando os valores fundamentais da experiência histórica e filosófica do património cultural do Ocidente, saibam convergir para as necessidades e circunstâncias do actual momento histórico.
Da actualidade de comunidades diversas, flexíveis, móveis e em permanente alteração. Porventura assustadas, também. Deste modo o conceito de teatro mínimo serve o que designaremos como estratégia de aproximação às comunidades. Começando pelo conceito de teatro mínimo, o mesmo opõe-se à maximalização tendencial em sociedades frágeis e vulneráveis à demagogia e ao sensacionalismo. A ideia do messianismo salvífico, do líder carismático, da genialidade iluminada, tem o efeito de atração preversa que atinge todos com a oferta de uma panaceia universal, de um futuro utópico, perigosamente, como a história o prova, distópico. Destrutivo e trágico.
O teatro mínimo atenta-se sobre as mínimas coisas: os sinais do quotidiano de cada um, as suas afinidades, hábitos, trivialidades, hobbies, talentos, saberes e dificuldades. O teatro mínimo não visa doutrinar mas sobretudo dialogar diferenças, colocá-las em relevo e promover, quando for o caso, aproximações ou recuos. No teatro mínimo respeitam-se diferenças, promove-se uma ética de trabalho que convida a uma disciplina comum na diferença entre todos. Porque é urgente aprender a viver com o diferente, e o diverso, e acelerar o tempo de embate com essa estranheza, porventura perturbadora, de uma nova realidade que choca com o que era dado por adquirido, seja na vida privada, seja na vida pública; no modo como as comunidades se vêem e querem ser vistas. Por conseguinte importa a compressão dos critérios maximalistas para a valorização do mais pequeno, do subtil; para o pão que se partilha à mesma mesa pelos companheiros; a origem da palavra companhia, na antítese da solidão, no consolo da dádiva. Quanto à estratégia de aproximação às comunidades, defendemos que o TG deve ocorrer aos mais carenciados , às urgências sociais que se manifestam de modo premente.
Assim a estratégia do TG passa por vários mecanismos de acção:
1- As pessoas séniores, os senadores, através da colaboração com a Universidade Sénior Saber Maior, numa ligação entre a antiga cidade e a nova cidade que se esboça; sendo a universidade e o teatro veículos priveligiados de evocação e prospeção.
- 2- Os Clubes de Teatro, dirigidos a adultos; patrocionando ambientes cénicos centrados nas valências, disposições e disponibilidades dos participantes.
Actuando o TG como propiciador de experiências cativantes, formativas, mas sobretudo uma oportunidade de, através da expressão teatral, condensar um âmago societário; uma experiência do comum que valorize a individualidade de cada participante.
3- O trabalho junto das Escolas do primeiro ciclo da área urbana da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, na animação teatral/ tecnológica, que permita aos alunos perceberem os meios tecnológicos, que suportam desde tenra idade, como meios de expressão artística; de forma a que possam interiorizar, para seu benefício ,que a arte faz parte das suas vidas de um modo orgânico e útil.
3.1- Também o trabalho com Museus ( o Museu Nacional de Arte Antiga e o Museu de Etnologia), porque os museus podem encontrar no teatro vias de deslocação e convocação eficazes e porque o teatro, e os seus públicos, precisam das musas para se inspirarem , na arte e na vida.
4- A vila de Beringel, porque é um caso flagrante de uma região interior, Baixo Alentejo, distrito de Beja, com escassa oferta cultural e em rápida mudança, com transformações demográficas abruptas, do envelhecimento à emigração, criando um caldo sociológico potencialmente perigoso, no sentido de conflitualidade irremediável ; a necessitar de trabalho de prevenção, que se faculta por eventos e formações que agregam, que permitem a descoberta mútua, mobilizam e estabelecem a confiança; condição sine qua nom para o bem estar de todos.
5- Por fim, a exceção à regra dos princípios orientadores do Serviço Educativo, o teatro como fim. Propomos fazer uma criação original dedicada preferencialmente ao público infantil- juvenil mas acessível a toda a família. Blitzkrieg é o título do espectáculo e, apesar do teor belicista do termo, é um convite à pacificação com este tempo difícil e desafiante.
Assim propõe-se a figura de uma personagem que conduz toda a trama, em interação com o publico, o Tirano, amigável e caricato, espécie de Charlot no filme O Grande Ditador.
Junto de crianças e pais, o Tirano prodigaliza uma série de peripécias, que são o espelho risível do mundo em que vivemos: absurdo, fascinante, incompreensível e afinal só humano, demasiado humano, a precisar de bondade e sentido de humor.
Da experiência do conceito de Brigadas de Garagem, presente em anteriores reflexões , que nos permitiu percorrer territórios de possível intervenção resultou a noção clara da importância do enfoque num território. A partir desta base de experimentação teórica e prática, irradiar se possível para territórios adjacentes ou outros. Assim a vila de Beringel, no interior alentejano, distrito de Beja afigurou-se-nos um ponto de partida ideal.
Porque temos uma base logística e parcerias estabelecidas, com a Junta de Freguesia de Beringel e a Câmara Municipal de Beja e, sobretudo, por ser um exemplo gritante de uma região com escassa oferta cultural diferenciada, na área de intervenção do Serviço Educativo. Beringel, do mesmo modo que os concelhos vizinhos, é em exemplo de rápida mudança, do tecido sócio-cultural, dos hábitos e costumes; da vida dos seus habitantes. Com transformações demográficas abruptas, do envelhecimento da população nativa à emigração de países com culturas muito diferentes, criando um caldo sociológico potencialmente delicado, no sentido de conflitos e cisões irreparáveis.
É pois um território , a partir do qual , deve ser exercida uma intervenção adequada, a qual pode irradiar para concelhos vizinhos. Queremos continuar a desenvolver um trabalho de prevenção através das ferramentas teatrais. Trabalho que se revela por eventos e formações incidindo nas escolas, mas não só; acções com o propósito de juntar as pessoas, de ajudar a que crianças e pais, os “locais” e os “estrangeiros” se conheçam de maneira frutífera; a descoberta mútua capaz de mobilizam e estabelecer a confiança; condição sine qua nom para o bem estar de todos, numa terra comum.
Carlos J. Pessoa