GARAGEM 30 ANOS: IMPRESSÕES DIGITAIS
EXPOSIÇÃO DO TEATRO DA GARAGEM
30 JANEIRO A 26 JULHO 2020
TEATRO TABORDA
[tER A DOM, 17H – 23H]
GARAGEM 30 ANOS: IMPRESSÕES DIGITAIS é um projeto de investigação que tem como objeto o trabalho desenvolvido pelo Teatro da Garagem ao longo de 30 anos de atividade continuada. Esta instalação assinala o percurso, a narração pressentida, de uma Companhia, que é parte determinante na história do teatro português contemporâneo.
A instalação foi pensada e materializada a partir da digitalização de imagens de arquivo das pessoas que fizeram, e fazem, parte do caminho percorrido pela Companhia. Esta recolha, este contacto/impressão com todos os que fizeram parte da Garagem, que ainda estão em atividade, ou já partiram deste mundo, permite a organização de uma memória imaginativa, no sentido da sua abertura às memórias de outros. GARAGEM 30 ANOS: IMPRESSÕES DIGITAIS pretende olhar para o memorial da Garagem, das mãos e dos dedos ao digital.
Para uma abordagem da próxima curva
Esta exposição é o resultado de um labor intenso por parte das pessoas que constituem o Teatro da Garagem, e permito-me destacar o Sérgio Loureiro, responsável pelo desenho cenográfico, e pela coordenação da recolha, e organização, dos materiais visuais, o Daniel Cervantes, responsável pelos espaços sonoros e o Gonçalo Morais, pela luz. Não é, contudo, esse fundamento, esforçado e talentoso, que singulariza a sua apresentação pública.
Esta exposição releva dos 30 anos de atividade contínua e venturosa do Teatro da Garagem mas também não é essa, a narrativa determinante cujo estudo, e crítica, não nos cabe a nós fazer.
Esta exposição refere direta, e indiretamente, a participação de mais de 500 pessoas, de muitos lugares, com os mais diversos interesses, afinidades e línguas, em objetos criados no âmbito de um projeto artístico comum, com reconhecimento público nacional e internacional mas, mais uma vez, não é essa a força motriz para abrir as portas da caverna mágica.
O valor principal, a meu ver, a chave desta exposição, reside não apenas no que mostra mas no que sugere. Não tanto no que se vê mas no que não se vê, que se pode adivinhar, ou imaginar; nas vozes para lá das imagens.
A chave não se materializa na elegia, urgente e merecida, de todos os nomeados, mas no lapso involuntário da memória, que dá assim notícia da sua impermanência, da sua traição. Na ausência de um nome o colapso de todos os nomes.
A patine da chave não está na pesquisa documental exaustiva, por arquivos referentes a 30 anos de atividade teatral, mas na súbita perceção da falta; que vão sempre faltar documentos, e que essa falta, tão só, dá conta dos teatrinhos que não foram feitos e que o deverão ser, nas mil e uma noites, e dias, que se seguem.
Esta exposição é o retrato do todo que se adensa por cada parte, espécie de monstro pachorrento e da proliferação de partes inesperadas, de capítulos não escritos, de imagens rarefeitas, de contornos e dobras; um lugar teatral de passagens e augúrios.
O que mais me cativa não é, apesar de me comover, o inventário rigoroso, atento e imparcial, de (quase) tudo o que fizemos nesta companhia, mas o estremecer de tudo o que não fizemos, que ficou incompleto ou não chegou a começar.
Esta exposição justifica-se, se aludir a algum sentido de justiça, pelos intervalos, pelas desmontagens, pelos atrasos e esperas, pelas discussões intermináveis; pelos diferentes ritmos, aparições e matizes, por todas as vozes… onde estás? Quem vem lá, agora? Quem e… porquê? A tua vida, a minha vida, ressonância de outubro e outros meses… Esta exposição é como uma pele de lugares, uma pele de coisas, de fenómenos à flor da pele, rasgos, água que brota e um fio de sangue.
Trinta anos: pelos tempos mortos, pelas pessoas de quem perdemos o rasto; por aquelas cujo nome não nos diz nada, por aquelas para cuja cara não encontramos nome.
As impressões digitais parecem tocar, tocam-me, enquanto desígnio de afeto, cuidado, como gesto de amor, sem destinatário preciso, e dedicatória, ao futuro.
Esse futuro, de quem gosta de gostar dos outros, da vida, tão assim, e faz disso um teatro gentil, pertence a todos, é de todos, com, ou sem, Garagem.
O Teatro da Garagem, 30 anos, e mais além, com o seu espírito a um tempo sacro e profano, elevado ou banal, solar ou obscuro, absoluto, volátil, categórico…
A Garagem numa panorâmica parietal em equilíbrio harmonioso e depois, caindo, lentamente, espalhando-se, como o leite entornado de uma vasilha… o Teatro da Garagem, não dialético, arborescente, é uma frase inacabada.
Que nesse equilíbrio possas percorrer, sem quedas fatais, a próxima curva da estrada.
Carlos J Pessoa
Entrada Livre
Encerra às 2ªfeiras
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